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8:49 PM
Dantas afirma que mudar lei penal não resolve problemas


Tema controverso entre juristas, a redução da maioridade penal será discutida em audiência pública, na Câmara Federal, nos próximos dias. Estabelecida na legislação brasileira em 1940, a maioridade penal aos 18 anos pode sofrer alterações. Com a divulgação de crimes violentos cometidos recentemente por jovens, o país retomou a discussão sobre a redução da maioridade penal para 16 anos.
João Maria AlvesJosé Dantas de Paiva: O Governo Federal, pressionado pela sociedade, quer mudança agora sem pensar no sistema. Como se a lei fosse resolver o problema. Não vai. Vai piorarJosé Dantas de Paiva: O Governo Federal, pressionado pela sociedade, quer mudança agora sem pensar no sistema. Como se a lei fosse resolver o problema. Não vai. Vai piorar

Ministros do Supremo Tribunal Federal, como Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, já se manifestaram contra a alteração das regras sobre maioridade penal. Eles defendem, no entanto, uma aplicação mais efetiva do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), seja com o estabelecimento de melhores condições de educação, de saúde e de pleno emprego aos jovens, para evitar infrações, seja com tratamento adequado nas unidades de internação, reduzindo a reincidência e facilitando a ressocialização.

O titular da 1ª Vara da Infância e da Juventude de Natal, José Dantas de Paiva, também é contra a proposta. Nesta entrevista, o juiz explica que é favor da aplicação das regras estabelecidas, há pouco mais de um ano, pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).  Além desse tema, José Dantas comentou sobre o caso da adolescente que era mantida acorrentada dentro da própria casa. Confira:

O Conselho Tutelar agiu corretamente ao levar a adolescente para a Casa de Passagem ou deveria ter procurado outro local?

O procedimento é esse. Não poderia ser diferente. Aliás, poderia ser se o Município tivesse uma estrutura  de atendimento adequado e especializado às famílias. Ao invés de tirar a adolescente da família, passaria, de uma forma direta, à atender essa família em casa. A institucionalização do caso é a última opção. Nesse caso específico, havia a violação de direitos fundamentais da adolescente, mas era plenamente possível mantê-la junto à família. Agora, como não tem, no Município, um programa específico de apoio, que a gente chama de sociofamiliar, acabamos punindo a família duas vezes, principalmente a criança.  Pune porque tira da família e pune porque vai para a instituição. A instituição, por melhor que ela seja, não é o local adequado para ninguém.

Esse serviço sociofamiliar existe em outros municípios?

No Rio Grande do Norte, não conheço.

E em outros Estados?

Outros Estados sim.

Como é esse trabalho?

É um trabalho desenvolvido pelo Município. É assistência direta comparecendo à casa da família. O serviço pode ser oferecido pelos Creas [Centros de Referência Especializados de Assistência Social] e Cras [Centro de Referência de Assistência Social] do Município, mas Creas e Cras, que têm apoio do Governo Federal não oferecem atendimento eficaz. O grande problema hoje, do Poder Público, é que os programas não são institucionalizados. São programas pessoais que, quando muda de gestor, são deixados de lado.

Como assim?

Exemplo: a  gestão da prefeita Micarla foi péssima, mas ela fez um programa bom na assistência das famílias com dependentes químicos. Quando chegou a nova gestão, acabou. A Semtas [Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social] nos garantiu que esse trabalho voltaria pelos Creas, mas já estamos no décimo mês da nova gestão e os Creas sequer estão funcionando para outros serviços. O atendimento acaba não sendo adequado e os adolescentes se evadem.

A Semtas afirma que não tem poder de polícia para segurar ninguém na Casa de Passagem...

Mas ela é guardiã. É como se fosse um pai ou uma mãe que quando o filho sai de casa, eles têm que sair a procura. A mesma obrigação que tem um pai, o guardião também tem sob pena de responsabilidade. Isso está na lei. O grande problema nesse sistema [de acolhimento] é que todo mundo fica se eximindo de responsabilidade. Isso é um sistema de garantias no qual todos os órgãos tem uma parcela de responsabilidade: eu, o Ministério [Público], o Município. É uma corrente que não pode quebrar. É por isso que hoje eu cobro tanto.

De fato, o senhor tem falado bastante.

Nunca cobrei tanto na minha vida quanto agora. O sistema virou um caos. Estou aqui [Vara de Infância] há mais de quinze anos e nunca esteve tão ruim quanto agora. Estado e Município não estão fazendo sua parte.

Vamos falar agora sobre outro assunto. No Congresso Nacional, existem várias propostas sobre a redução da maioridade penal. Como está essa discussão?

No Congresso, existem propostas de todo tipo. Tem proposta de pena de morte, redução da idade penal para 16, 10 e até 7 anos. Tem proposta para tudo. Como houve aumento de violência por parte de adolescentes, que é mínima se comparado aos adultos, gerou um clima de insegurança, mídia em cima e a pressão social muito forte. 93% de população quer a redução da maioridade penal. Então, os políticos pressionados por isso, estão discutindo o assunto. Haverá uma audiência pública, ainda esse mês, na Câmara Federal, para tratar sobre o assunto. A Secretaria Nacional de Direitos Humanos realizou uma reunião com alguns juristas da área e decidiram apresentar um projeto que não é para redução da maioridade, mas para aumentar o tempo de internação.

Como é isso?

A proposta não reduz a maioridade, mas amplia o prazo de internação para adolescentes até os 26 anos. Isso aumenta o período de internação em três anos. A proposta também cria o sistema de jurisdição binária.

Do que se trata esse sistema binário?

O adolescente seria acompanhado por um juiz da Infância e Juventude até os 18 anos e, depois, por um juiz Criminal. O projeto também cria escalas de sanções de acordo com a idade. Exemplo: um adolescente de 12 ou 13 anos ficaria privado da liberdade, no mínimo, por 1 ano e seis meses podendo ficar até cinco anos. De 13 a 14 anos, ficaria, no mínimo, dois anos detido. E assim por diante. Essas sanções são questionáveis constitucionalmente.

E como os juízes da área encaram essas propostas?

Houve uma reunião, na qual eu participei, para apresentar novos projetos. O CNJ [Conselho Nacional de Justiça] convocou uma reunião também. Fui convocado e houve uma divisão nas propostas. Eu discordei de todo mundo. A posição do fórum que faço parte é a de manter o sistema atual. Há um ano, foi criada uma lei nova que define um sistema de atendimento muito bom que não foi experimentado.

Que sistema é esse?

É o Sinase [Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo]. Foi criado, mas não foi experimentado. A proposta é utilizar esse sistema, caso não funcione, pensamos em outra alternativa. O problema é que os governos Federal, Estadual e Municipal não investiram nessa área e agora estão perdidos porque refazer esse sistema atual que está falido exige muito dinheiro.

Como será essa audiência na Câmara?

Eu fui designado pelo Fórum Nacional de Juízes da Juventude para fazer uma espécie de sistematização de todas as propostas mais recentes. Terminei de confeccionar esse documento no último fim de semana e já remeti para os colegas e esse documento servirá de base para participarmos dessa audiência pública na Câmara. Os parlamentares querem reduzir a idade penal, mas existe uma questão constitucional no meio. Uma forte corrente majoritária entende que a redução da maioridade é impossível porque é uma cláusula pétrea. Diante desse empecilho jurídico, provavelmente não saia, esse ano, a redução. Mas, com certeza, haverá alterações para o tempo de internação. Isso é quase irreversível.

Como seria efetivado?

Mantém o sistema atual, mas com aplicação de regras penais. Nossa ideia é que, um dia, podemos até ser favoráveis a redução da maioridade penal. Mas sabemos que existem outros caminhos que dão resultado. Porém, o Governo Federal, pressionado pela sociedade, quer mudança agora sem pensar no sistema. Como se a lei fosse resolver o problema. Não vai. Vai piorar.
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